top of page
bg_alpha.png

Hans-Joachim Koellreutter
Episódio 4 - 21'58''

  • Spotify
  • Deezer
  • Youtube
  • Música de Maçã
  • RSS

Vinheta de abertura

 

Leonardo Dourado:

Olá, eu sou o jornalista Leonardo Dourado. Está começando o podcast Canto dos Exilados. As histórias dos refugiados da Segunda Guerra Mundial que vieram para o Brasil e aqui deixaram um tremendo legado para a cultura brasileira.

 

Kristina Michahelles:

E eu sou Kristina Michahelles, também sou jornalista, tradutora e diretora do museu Casa Stefan Zweig de Petrópolis, uma instituição cultural que apoia esta iniciativa.

 

Leonardo Dourado:

Você vai conhecer detalhes da vida e da obra de gente famosa do mundo das artes e das ciências. São histórias de superação de pessoas que tiveram que fugir do nazismo e reconstruíram suas vidas praticamente do zero do outro lado do oceano.

 

Kristina MIchahelles:

Para realizar este trabalho foi preciso muita pesquisa em acervos públicos e privados. Nossa equipe contou com o apoio de dois doutores em História, o brasileiro Fábio Koifman e a alemã Marlen Eckl.

 

Leonardo Dourado:

O programa de hoje traz o perfil do professor, compositor e regente alemão Hans-Joachim Koellreutter.

 

O podcast Canto dos Exilados é patrocinado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e JGP Gestão de Recursos por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, Lei do ISS.

 

Passagem

 

Áudio de arquivo histórico:

Sieg Heil, sieg Heil, sieg Heil

 

Leonardo Dourado:

A partir da invasão da Polônia em primeiro de setembro de 1939, agressão que marcou o início oficial das hostilidades da Segunda Guerra Mundial, os discursos de Adolf Hitler diante das massas de seguidores foram ficando cada vez mais violentos. Esse “Sieg Heil” significa “Viva a Vitória”, tinha também uma variante de saudação ao ditador: Heil Hitler, ou Viva Hitler.

 

Kristina Michahelles:

Hitler tomou o poder na Alemanha em janeiro de 1933 depois de eleições democráticas, quando o partido nazista se tornou o maior do país. Um ano depois ele se tornou o Fuehrer, chefe das forças armadas. Pouco antes do começo da guerra, anexou a Áustria e a parte dos Sudetos da então Tchecoslováquia. O resto se tornou um Protetorado da Boêmia e da Morávia administrado pelos nazistas. Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo de 1999, Koellreutter conta os detalhes de sua saída da Alemanha.

 

H. J. Koellreutter:

No fundo eu sou um refugiado, como estudante de música estudei em Berlim. Era, como se pode dizer, ativista anti-nazista. Criei até uma sociedade para ações contra o governo no campo da cultura. Então, naturalmente, me expuseram, me expuseram na universidade, quer dizer, onde eu estudava, me mandaram embora e fui à Suíça. Fui à Suíça onde encontrei meu professor mais importante até hoje que é o regente Hermann Scherchen.

 

Kristina Michahelles:

A sociedade a que  Koellreutter se refere chamava-se Círculo de Trabalho para a Nova Música. Outra coisa que o regente não contou naquele depoimento ao MIS, é que ele tinha uma noiva judia e o casal foi denunciado pela própria família. Ele fugiu para o Brasil, chegando aqui em 1937.

 

Leonardo Dourado:

Sim, porque já desde 1935 haviam sido promulgadas as três leis antissemitas de Nuremberg. Nós fomos ouvir opiniões sobre a importância de Koellreutter para a música no Brasil de gente que privou com ele. Ouça o que diz o maestro Júlio Medaglia.

 

Júlio Medaglia: 

O maestro e professor Koellreutter era um feiticeiro. Além de ser um grande músico e ter uma formação fora do comum, ter tido contato com Hindemith, o compositor, Hermann Scherchen, que foi um dos maiores maestros do século, e estudou flauta com o Marcel Moïse, que era um dos grandes flautistas daqueles meados do século 20, além de ter essa informação toda, ele era uma pessoa muito sedutora, como eu disse, tinha uma capacidade quase feiticeira de encantar os alunos. 

H. J. Koellreutter:

Eu sou de origem flautista, quer dizer, meu instrumento original é a flauta, flauta transversa. Entrei também, quando eu cheguei aqui, logo na Orquestra Sinfônica Brasileira, fui um dos fundadores da OSB no Rio de Janeiro. Eu, como compositor que sou, percebi naturalmente que no Brasil tinha um conhecimento muito restrito da produção contemporânea naquele tempo. Eu logo no início tratei principalmente da apresentação não só de música contemporânea, mas de música pouco conhecida aqui como também a música do século 15, 16, 18, etcetera, tudo isso eu fiz, foi minha atividade principal na primeira fase.

 

Leonardo Dourado:

O maestro Julio Medaglia conta como Koellreutter alargou o mundo da música para seus alunos.

Júlio Medaglia:

O professor Koellreutter, com as suas aulas, ele fazia com que o jovem músico se interessasse por mil outras coisas, não só por uma música anterior a Bach e posterior a Debussy, porque no Brasil a música começava com Bach e terminava em Debussy. As aluninhas de piano tocavam Chopin, Beethoven, umas pecinhas de Brahms e as mulheres gostavam de Tchaikovsky porque é sentimental etc. Mas o professor Koellreutter ampliou esse universo. A gente passou a gostar de canto gregoriano, de música renascentista, música vocal, depois nos interessamos também pela parte das vanguardas do século 20, dos grandes transformadores do século 20, Stravinsky, Bach, Schönberg, Weber, aqueles que transformaram o universo musical numa velocidade fora do comum no século 20.

 

Kristina Michahelles:

O professor Koellreutter teve muitos, mas muitos alunos e seguidores no Brasil.

H. J. Koellreutter:

Eu não me lembro de todos os alunos, é mais fácil dizer quem não estudou comigo. Eu me lembro sempre dos alunos muito ruins, ou muito bons, agora a média de quem estudou comigo eu não me lembro mais.

 

Kristina Michahelles:

Fomos ouvir alguns alunos dele.  Entre eles, o compositor Tim Rescala, o maestro Isaac Karabtchevsky e a pianista Clara Sverner. Começando por ela.

 

Clara Sverner:

Ele era um professor que eu nunca vi igual. Porque a primeira frase que ele dizia ao aluno: “não confie sempre no seu professor.” Ele fazia que nós questionássemos ele sempre. Isso é maravilhoso. É o oposto do que os professores em geral fazem, não é?

Tim Rescala:

Então o Koellreutter usava como um dos pilares da forma de ensinar o aprendizado com o próprio aluno. Ou seja, ele perguntava para o aluno o que é que ele tinha que ensinar. Então, a partir da bagagem dele, do conhecimento dele, ele se adequava ao perfil do aluno procurando ajudar esse aluno de alguma forma.

 

H. J. Koellreutter:

Eu sempre achava o ensino muito importante num país como este, em primeiro lugar. Eu pessoalmente estava sempre mais interessado no ser humano do que naquilo que o ser humano produz. Sempre me fascinou mais o problema do crescimento, da intelectualidade e tudo isso, dos problemas que surgem, das experiências que as pessoas fazem. E isso até hoje. No fundo eu aprendo com meus discípulos o que eu devo ensinar. 

 

Isaac Karabtchevsky:

Ao trabalhar com o aluno, como foi o meu caso, ele queria saber sobre a sua vida. Ele me perguntava coisas incríveis. Você quer estudar música por quê? Você sabe que é difícil? E ele me dizia isso,  eu me lembro claramente como se fosse hoje: é uma  atividade que requer extrema concentração e dedicação. E constantemente em aula ele repetia: música é uma “actividade”. Isso eu me lembro mais nitidamente, música é uma “actividade” (imitando  o sotaque alemão). O que quer dizer, ele não suportava música de fundo. Quando ele ouvia música ele parava e prestava atenção. Então a música estabeleceu um polo de presença imanente e perpétua no seu cotidiano. Isso ele transmitiu a nós, todos os alunos. O senso de hierarquia que nós deveríamos dar à música, o senso de importância e seriedade no trabalho e nos propósitos. Isso eu aprendi com ele.

 

Kristina Michahelles:

Tim Rescala relembra como eram as aulas.

 

Tim Rescala:

Normalmente quando você tinha uma primeira aula de composição com ele, ele não te ensinava a compor necessariamente. É o que ele dizia, isso na verdade não é possível fazer. Numa aula de composição você estuda técnicas, você estuda como determinado compositor, determinado período histórico, como é que a composição se fazia e essas técnicas, podendo ser contraponto, harmonia, enfim, tudo que a música proporciona. Mas, na medida em que ele tinha esse retorno do aluno, ele pedia um primeiro trabalho. Que o aluno desse pra ele, mostrasse alguma coisa pra ele ter noção se esse aluno já tinha algum cunho próprio.

Leonardo Dourado:

Ouça agora esta deliciosa história ocorrida com outro grande pupilo, o maestro e compositor Edino Krieger.

 

Edino Krieger:

Eu conheci o Koellreutter quando eu era ainda um garoto estudante, lá na minha cidade. Uns anos depois eu recebi uma bolsa de estudos para vir estudar no Conservatório Brasileiro de Música no Rio de Janeiro. Nos primeiros dias que eu passei a frequentar o conservatório vi um anúncio na parede lá no quadro de avisos de um curso de composição livre do professor Koellreutter. E eu por acaso encontrei com ele no corredor do conservatório e me apresentei, professor eu sou aquele jovem tal que o conheceu lá em Brusque e tal e estou vendo que o senhor está realizando aqui um curso livre de composição. Aí ele me disse assim: ah sim, me lembro. E você já fez alguma composição? Aí eu fiquei com medo de dizer que eu nunca tinha feito nada porque eu pensei, se eu disser que eu nunca fiz nada ele vai me dizer assim, então vai estudar, fazer, daqui a dois anos me procura. 

Pequeno trecho da trilha sonora

Edino Krieger:

Eu disse: já fiz alguma coisa. Ele disse: então amanhã, às tantas horas, você me procura na sala tal assim, assim. Lá vamos ver o que você já fez. Eu passei a noite inteira em claro, né? Peguei papel de música e tal e comecei a rabiscar qualquer coisa. No dia seguinte apresentei a ele, sabe. Ele olhou e disse: é isso que você já fez até agora? Eu disse é, professor, por enquanto. Isso não é nada. Vamos começar do começo. E aí me aceitou como aluno e eu passei realmente a estudar com o Koellreutter e aprender realmente música desde o começo. 

 

Kristina Michahelles:

Bem, além de Edino Krieger, de Isaac Karabtchevsky e Julio Medaglia, a lista de maestros formados pelo músico alemão tem, entre outros, os nomes de Benito Juarez, Rogério Duprat, Diogo Pacheco.

Leonardo Dourado:

Entre os compositores, destacamos Guerra Peixe, Claudio Santoro, Eunice Catunda.

 

Kristina Michahelles:

E se alguém acha que o pessoal da música popular não bebeu nas águas do mestre, aí vão alguns de seus discípulos, começando por Tom Jobim que teve aula com ele aos 13 anos. A relação inclui ainda Tom Zé, Severino Araújo, K-Chimbinho. Caetano Veloso não foi seu aluno, mas já declarou que Koellreutter foi crucial na sua formação. Detalhe curioso: ele dava aulas de música de vanguarda durante o dia, mas à noite podia ser visto no Bar Danúbio Azul, na Lapa, tocando sambas, valsas e choros.

Leonardo Dourado:

No próximo bloco saberemos como Koellreutter multiplicou sua atuação Brasil afora em prol do ensino da música.

 

Kristina Michahelles:

Gostamos de insistir no legado deixado por esses exilados porque  mostra como é importante acolher o estrangeiro, como ele pode enriquecer nosso país. O musicólogo Carlos Kater, que tem pós-doutorado em História da Música e Musicologia pela Sorbonne de Paris, tem vários trabalhos publicados sobre Koellreutter. 

Leonardo Dourado:

Ele  destaca o esforço de interiorização feito pelo professor alemão, sem se limitar ao eixo Rio-São Paulo. Ouça o que ele diz:

 

Carlos Kater:

E vai ser a partir de 1944 que ele, digamos, levanta voo naquilo que, ao meu ver, seria a marca registrada da trajetória de Koellreutter no Brasil. Essa marca registrada a gente poderia nomear de Música Viva. Ele, de alguma forma, promoveu a música dos grandes centros, no momento São Paulo e Rio, mas depois também na Bahia, em Recife, e Rio Grande do Sul, fazendo viagens pelo Brasil. Mas em particular em São Paulo e no Rio ele vai criar um conjunto de iniciativas que se respaldam num tripé. Um é a formação que pra ele é muito valiosa. Ele é um professor nato e tem, digamos, um domínio da palavra, ele tem um conhecimento de uma forma bastante prática e eficiente de transmitir conhecimentos. Então, a formação é um dos eixos. O segundo é a interpretação.

 

Isaac Karabtchevsky:

Na Bahia eu estava estudando  com ele, ele foi chamado pela reitoria para ser o professor de música, o diretor - não professor somente - mas diretor de um departamento de música da Universidade da Bahia, que foi realmente um celeiro na formação  de grandes músicos. Eu estou pensando não só de músicos clássicos, mas os populares também. Me lembro que Caetano Veloso passou por lá, o Gilberto Gil  passou também. Era uma leva de um potencial criador absurdamente fantástico naquela universidade, naquele parque lá em Salvador. E Koellreutter estabeleceu um prêmio para aqueles alunos que mais se distinguissem, que fossem contemplados com o prêmio e o prêmio qual era? Regê-lo tocando flauta. E eu fui contemplado com esse prêmio. E guardo recordações fantásticas dele tocando dizendo: não, agora você para que eu vou tocar sozinho. 

 

Edino Krieger:

E ele organizou inclusive uma coisa importantíssima que foram os cursos internacionais de férias de Teresópolis, que foi um precursor dos cursos atuais de Campos de Jordão, que são importantíssimos.

 

Júlio Medaglia:

Eu trabalhei como assistente do Koellreutter mais de uma vez, mas talvez a mais interessante foi no festival de Teresópolis em 58, foi a primeira vez que eu trabalhei com ele. Ele transferia para mim exatamente essa função de passar para os alunos esse interesse por um universo musical maior. Eu regí o coral de alunos, por exemplo, os meninos que iam estudar piano lá, João Carlos Martins, uma porção de músicos, de pianistas lá do Rio também, e que estudavam no festival de Teresópolis chegavam lá querendo tocar Chopin. Aí eu dizia: olha, não.Todo mundo junto aqui vamos cantar uma missa de Palestrina. Aí eu ia lá preparar os caras, de repente eles tinham que cantar uma peça renascentista, eles levavam um susto com aquilo. Mas aí começavam a identificar valores numa música renascentista que eles achavam encantadores e viam que aquilo ali era base de toda a cultura ocidental. Então mudava a cabeça do jovem, né?

Leonardo Dourado:

Em 1948 o alemão Koellreutter se tornou cidadão brasileiro. E foi para o mundo.

 

Kristina Michahelles:

Depois de fundar a Escola de Música da Universidade da Bahia e a Escola Livre de Música de São Paulo, ganhou uma bolsa da Fundação Ford por 25 anos de serviços prestados ao Brasil. Virou artista residente em Berlim, em 1962. Deu aulas de composição em Milão e no instituto Internacional de Darmstadt, na Alemanha, de onde vem outro monstro sagrado, compositor Karlheinz Stockhausen.

Leonardo Dourado:

Depois disso, dirigiu o Instituto Goethe em Munique, na Índia e no Japão. Fundou a Escola de Música de Nova Délhi. Em 1975 retornou ao Brasil e foi morar em São Paulo. Dirigiu o Conservatório Dramático e Musical de Tatuí e foi professor visitante  do Instituto de Estudos Avançados da USP. 

 

Kristina Michahelles:

Em 2006, a viúva de Koellreutter, a meio soprano Margarita Schack, doou todo o acervo do músico para a Universidade Federal de São João Del Rei e assim surgiu a Fundação Koellreutter.

Leonardo Dourado:

O legado desse refugiado alemão foi muito importante e perdura até hoje. Nós esperamos que vocês tenham gostado desse nosso programa. Esperamos que tenham gostado. A série Canto dos Exilados  é inspirada numa ideia do saudoso jornalista Alberto Dines, biógrafo do escritor austriaco Stefan Zweig e entusiasta da ideia de divulgar a memória desses exilados e dessas exiladas.

 

Kristina Michahelles:

Lembramos que é possível maratonar todos os programas desta primeira temporada nas principais plataformas de podcast. E a plataforma da Casa Stefan Zweig Digital encaminha para um site com a transcrição completa de todos os programas. Desta forma, incluímos na audiência também os deficientes auditivos.

 

Leonardo Dourado:

O programa de hoje contou com o depoimento de Hans-Joachim Koellreutter ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo e  com informações da Fundação Koellreutter e do Dicionário dos Refugiados do Nazifascismo no Brasil. A produção foi da Taís Silva. A trilha sonora é do Fabiano Araruna em parceria com Pedro Leal David. O Fabiano Araruna também fez a montagem. O roteiro foi escrito por mim, Leonardo Dourado, e pela Kristina Michahelles. Ambos fizemos também a apresentação do episódio. Até a próxima.


 

Fim do episódio 4 - Hans-Joachim Koellreutter

barralogos_final.png

©2025 - Podcast Canto dos Exilados

bottom of page