
Zbigniew Ziembinski
Episódio 6 - 16'44''
Vinheta de abertura
Leonardo Dourado:
Olá, eu sou o jornalista Leonardo Dourado. Está começando o podcast Canto dos Exilados. A história dos refugiados da Segunda Guerra Mundial que vieram para o Brasil e aqui deixaram um grande legado nas artes e nas ciências.
Kristina Michahelles:
E eu sou Kristina Michahelles, jornalista, tradutora e diretora do museu Casa Stefan Zweig de Petrópolis, uma instituição cultural que apoia esta iniciativa.
Leonardo Dourado:
Você vai conhecer detalhes da vida e da obra de gente famosa e outros menos conhecidos. Em comum, entre todos, o fato de serem estrangeiros que adotaram o Brasil e refizeram suas vidas em nosso país.
Kristina MIchahelles:
E nossos ouvintes com certeza também vão se emocionar ao ouvir os relatos das fugas do nazismo. Este trabalho é fruto de muita pesquisa de uma dedicada equipe liderada por dois doutores em História. Nós nos inspiramos em uma ideia do saudoso jornalista Alberto Dines, biógrafo do escritor austriaco Stefan Zweig.
Leonardo Dourado:
O programa de hoje traz o perfil do ator e diretor de teatro polonês, Zbigniew Marian Ziembinski. O podcast Canto dos Exilados é patrocinado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e JGP Gestão de Recursos por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, Lei do ISS.
Passagem
Sonoplastia bombardeios
Leonardo Dourado:
Muito antes da primeira bomba explodir na segunda guerra mundial começaram, na Alemanha, as perseguições contra judeus, socialistas, comunistas, homossexuais e outros indesejáveis. O partido nazista obteve a maioria dos votos e, assim, em 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler tornou-se chanceler. Professores perderam suas cátedras, músicos foram demitidos, livros foram queimados em praça pública.
Kristina Michahelles:
O início do conflito só aconteceria seis anos depois. Em primeiro de setembro de 1939 os alemães invadiram a Polônia e um encouraçado abriu fogo contra a cidade de Danzig onde havia tropas polonesas estacionadas. Da capital, Varsóvia, veio parar no Brasil um fugitivo que é considerado o fundador do teatro moderno brasileiro, Zbigniew Ziembinski.
Leonardo Dourado:
Bem, aí, como vocês imaginam, começou a correria para tentar sair da Europa.
Kristina Michahelles:
Exatamente. Mas é também nessas horas graves que surgem os heróis, as pessoas que fazem a diferença. Uma delas foi o embaixador brasileiro Luiz Martins de Souza Dantas que, mesmo contrariando ordens de Getúlio Vargas, concedeu mais de mil vistos irregulares a fugitivos. Quem escreveu um livro sobre ele é um dos nossos consultores, o historiador Fábio Koifman. Ouça os detalhes dessa arqueologia histórica nas palavras dele.
Fábio Koifman:
O Ziembinski já tinha falecido há muitos anos, mais de 20 anos quando eu fiz a pesquisa e entrevistá-lo era impossível, não deixou descendência. O que eu fiz foi investigar quem havia feito depoimentos dele em vida para perceber se havia alguma referência à ajuda humanitária do embaixador. Depois de muito procurar, descobri que ele tinha dado um depoimento para a Funarte, numa entrevista com Cecil Thiré, Nelson Rodrigues e outros artistas. Na entrevista, publicada em livro, não constava nenhuma referência ao embaixador. Aí eu pedi para ouvir a fita original da entrevista. Isso não me foi permitido na época, mas me trouxeram uma pasta com a primeira transcrição na qual também não aparecia nenhuma referência ao embaixador. Mas na parte de baixo da pasta havia uma primeira original transcrição toda riscada e ele fazia referência direta ao embaixador Souza Dantas.
Leonardo Dourado:
Nunca é demais lembrar que o embaixador Souza Dantas, por sua coragem cívica, é um dos dois brasileiros homenageados pelo museu Yad Vashem de Israel como um Justo Entre as Nações.
Kristina Michahelles:
Para tentar entender a angústia de quem passou por essa situação, ouça agora o relato do próprio Ziembinski na gravação do acervo da Funarte.
Ziembinski:
O problema era sair da Europa, era sair de lá porque todos nós que não éramos carne para os canhões automaticamente éramos elemento indesejado. Então, éramos os elementos de maior ataque, de maior desconfiança, todos nós éramos espiões, de qualquer lado, não importava se do lado alemão, francês, qualquer um. Tentava-se visto para China, para Nova Zelândia, Inglaterra, qualquer lugar, mas não havia possibilidade porque ninguém dava. Então ficavam aquelas filas intermináveis de duzentos, trezentos, quatrocentos metros. Era gente deitada no chão, na frente das embaixadas, pedindo, esperando, até que de repente se ouve que existia um dom Quixote que se chamava … meu Deus do céu, me escapa agora….o famoso embaixador Dantas, Dantas, que disse o seguinte: abre a porta da embaixada, vou dar vistos diplomáticos. E deu.
Kristina Michahelles:
A porta da embaixada a que o Zimba se referia ficava em Vichy, no sul da França, porque quando os alemães invadiram Paris, em 1940, fizeram um acordo com o governo colaboracionista que dividiu o país ocupado em dois.
Leonardo Dourado:
É verdade. Dez milhões de pessoas partiram em direção ao sul de carro, de trem, de bicicleta ou a pé. Em pouco tempo as estradas ficaram lotadas, as tropas francesas que seguiam para o norte não conseguiam passar de forma alguma. Muitas vezes, civis e militares presos em engarrafamentos eram metralhados pela força aérea alemã. Uma situação desesperadora.
Kristina Michahelles:
Conseguir um visto no passaporte para sair daquele inferno era apenas metade do problema. Quem não teve a sorte de Ziembinski teve que pagar suborno e quem não conseguiu acabou indo para os campos de concentração, de onde poucos saíram vivos.
Leonardo Dourado:
Você está se referindo à outra metade da aventura que era conseguir uma passagem de navio, embarcar e aportar no Brasil?
Kristina Michahelles:
Isso mesmo. No caso do polonês Ziembinski foi uma via crúcis. Ele conseguiu embarcar em janeiro de 1941 com destino ao Rio de Janeiro. A escala em Dacar, no Senegal, prevista para dois dias, demorou vários meses. Depois houve outra parada em Casablanca, onde todos os passageiros foram levados para um campo desativado da Legião Estrangeira espanhola.
Leonardo Dourado:
Sem contar o estresse. Em cada parada dessas as autoridades locais checavam documentos e se não fossem com a cara de alguém podia ser um problema adicional.
Kristina Michahelles:
Sim, e sem falar que as companhias de navegação não se responsabilizavam pela alimentação dos passageiros nas paradas mais longas por causa do conflito. Mas finalmente Ziembinski, embarcado em janeiro para uma travessia de quatro semanas, desceu na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, em 6 de julho de 1941 - meio ano depois.
Leonardo Dourado:
No bloco seguinte você vai saber como mestre Ziembinski deu a volta por cima e revolucionou os palcos brasileiros onde dirigiu mais de 90 peças, entre elas, a famosa montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, em 1943.
Leonardo Dourado:
Vestido de Noiva gira em torno de Alaíde, moça de classe média que se casa com o ex-namorado da irmã e sofre um atropelamento. Durante a operação no hospital, é assombrada pelos fantasmas de uma traição e um assassinato que marcaram sua vida. Embasada em estudos freudianos, a narrativa ocorre em três planos: alucinação, memória e realidade. A peça é considerada o marco inicial do modernismo do teatro brasileiro e consagrou Nelson Rodrigues como autor.
Kristina Michahelles:
Ziembinski aprendeu português rapidamente e referindo-se a Vestido de Noiva, se disse fascinado com “um grande texto, legitimamente brasileiro, com uma forma completamente nova e originalidade única”.
Leonardo Dourado:
Ele tinha fundamento para suas opiniões. Zimba formou-se em Letras e cursou a Escola de Arte Dramática do Teatro Municipal de Cracóvia. Entre 1927 e 1929, atuou em mais de vinte papéis. Em Varsóvia dirigiu o "Teatr Polski" (Teatro Polaco) e o "Teatr Máły" (Teatro Pequeno).
Kristina Michahelles:
Sobre a importância de Ziembinski, nós fomos ouvir dois craques do teatro brasileiro, muito ativos nos palcos na época da grande guerra. Ouça o que diz o diretor Amir Haddad.
Amir Haddad:
Nós todos hoje podemos dizer, se quisermos, que somos filhos do Ziembinski porque até então não havia diretores brasileiros do teatro. Os diretores brasileiros eram o que chamavam de encenadores ou direção de tráfego, vamos dizer assim, evitavam que os atores trombassem em cena.
Leonardo Dourado:
Adorei esta definição do Amir Haddad. Mas ele não para por aí e é bem cáustico com alguns monstros sagrados dos palcos brasileiros.
Amir Haddad:
Os atores principais como Leopoldo Fróes, como Procópio, essa gente toda, eles eram indirigíveis e imarcáveis (sic), eles tinham o lugar deles e tudo girava em torno deles. Então esses atores, donos de companhia, eram praticamente donos da cena e tudo girava em torno da sua personalidade, do seu talento, do seu carisma, da sua capacidade de comunicação muito grande que tinham. Então, o Ziembinski de uma certa maneira rompeu, de uma certa maneira não, rompeu com isso.
Kristina Michahelles:
E agora o diretor Antunes Filho conta o que testemunhou da relação entre Ziembinski e Nelson Rodrigues.
Antunes Filho:
Nelson é gênio não é? E ele contribuiu, ele ajudava. Porque, quem poderia ajudá-lo nesse momento? Quem poderia ajudar um autor nesse momento? Só os diretores de teatro mesmo poderiam ajudar. Porque o teatro era muito ruim no Brasil, a escritura do teatro não era boa. E o Nelson veio e rompeu com tudo. Mas tem a mãozinha do Ziembinski na orientação. Eu vi ele dizer nos ensaios que ia mudar isso e aquilo, que ia falar com o Nelson etc. Porque ele, enquanto ensaiava, fazia uma série de restrições, de cortes etc. E ele, de certa maneira, orientou muito. Eu sei que ele orientou muito e se sabe, todo mundo sabe disso, que ele orientou muito o Nelson Rodrigues. Muito de Nelson Rodrigues se deve a Ziembinski, como orientador de teatro, de fazer teatro.
Leonardo Dourado:
A direção de Ziembinski para a peça escrita por Nelson Rodrigues soube equacionar os vários planos propostos pelo autor que contrastam o imaginário, o sonho e a realidade de forma brilhante. Com cenografia de Tomás Santa Rosa e enorme quantidade de variações de luz - 132 diferentes efeitos utilizados - Vestido de Noiva empolgou público e crítica.
Kristina Michahelles:
Repetindo: ele dirigiu mais de 90 peças nos palcos brasileiros. Era uma máquina, imprimiu seu estilo inconfundível a várias gerações de diretores, atores e cenógrafos. Foi enorme a importância da contribuição do polonês Ziembinski para a história do teatro brasileiro.
Leonardo Dourado:
Um baita legado, Kristina. Assim são as histórias que apresentamos aqui no podcast Canto dos Exilados. O programa de hoje contou com o apoio do Centro de Documentação e Pesquisa da Funarte, com material da série Canto dos Exilados e informações do Dicionário dos Refugiados do Nazifascismo no Brasil. A produção foi da Taís Silva. A sonorização e composição da trilha sonora são do Fabiano Araruna e do Pedro Leal David. A montagem é do Fabiano Araruna. O roteiro é meu, Leonardo Dourado e da Kristina Michahelles. Ambos fizemos também a apresentação do episódio que foi gravado aqui no Espaço Ipiranga, no Rio de Janeiro. Esperamos que tenham gostado e até o próximo programa.
Fim do episódio 6 - Zbigniew Ziembinski






