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Lore Koch
Episódio 3 - 21'36''

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Vinheta de abertura

 

Leonardo Dourado:

Olá, eu sou o jornalista Leonardo Dourado. Está no ar mais uma edição do podcast Canto dos Exilados. A história dos refugiados da Segunda Guerra Mundial que vieram para o Brasil e aqui deixaram um imenso legado nas ciências e nas artes.

 

Kristina Michahelles:

E eu sou Kristina Michahelles, jornalista, tradutora e diretora do museu Casa Stefan Zweig de Petrópolis, instituição cultural que apoia esta iniciativa.

 

Leonardo Dourado:

Aqui você conhece a vida e a obra de gente que ficou famosa e também de gente menos conhecida.Todos eram estrangeiros, foram perseguidos em seus países de origem, se refugiaram no Brasil e refizeram aqui suas vidas. 

 

Kristina Michahelles:

E nossos ouvintes com certeza também vão se emocionar ao ouvir os relatos das fugas do nazismo. Inclusive porque muitos eram crianças quando as famílias foram obrigadas a deixar a Europa. Este trabalho é fruto de muita pesquisa de uma dedicada equipe liderada pelos historiadores Fábio Koifman, no Brasil, e Marlen Eckl, na Alemanha. E é inspirado em uma ideia do jornalista Alberto Dines, biógrafo do escritor austriaco Stefan Zweig.

 

Leonardo Dourado:

O programa de hoje traz o perfil da pintora alemã Eleonore Koch. O podcast Canto dos Exilados é patrocinado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e JGP Gestão de Recursos por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, Lei do ISS.

 

Passagem

 

Lore Koch:

Eu sabia do perigo. Eu sabia que meu pai tinha sido preso uma vez. Eu sabia que uma vez nós fugimos para a Tchecoslováquia e que havia um perigo físico de meu pai ser preso. E tinha aquela choradeira toda no último jantar, no táxi para a estação de trem e quando estávamos no trem, eu não sei quanto tempo leva até chegar à divisa da Holanda, mas eu sei que eu sabia, quando atravessamos e que quando meus pais mostraram os documentos e passamos, minha mãe que chorava muito, ela estava atrás de mim, eu olhei e vi ela chorando tanto e falei: mas de agora em diante você já pode chorar um pouco menos.

Kristina Michahelles:

O que vocês acabaram de ouvir é um trecho da última entrevista dada por Lore Koch - como era conhecida a pintora berlinense - oito meses antes de falecer em São Paulo aos 92 anos. Eu, Leonardo e uma equipe de filmagem gravamos um extenso depoimento na casa dela na rua Iraquitã, no Jardim Paulista.

 

Leonardo Dourado:

Insistimos neste ponto porque crianças pequenas de famílias em fuga sofrem duplamente as ansiedades e incertezas do que vem pela frente.

 

Kristina Michahelles: 

A gente queria que a senhora contasse a fuga da Alemanha. 

Leonardo Dourado: 

Como é que é para uma criança de 10 anos ver a sua família tendo que sair do seu país?

Lore Koch:

Bom, a gente sabia das preparações, que eram longas, porque primeiro era para ir para Israel. Chamava Palestina na época. E a gente estava preparada, já tinham comprado os móveis trópicos. Não deu mais para ir. Eu não sei se foi proibição, que já tinha guerra com árabes. E então meus pais resolveram o Brasil. Eu posso imaginar que foi também pelos Hamburger, que eles eram muito amigos da família Hamburger, tanto que os Hamburger têm quatro filhos, dois têm nomes de meus pais: a menina chamava-se Adelheid e o menor Ernesto. 

 

Leonardo Dourado: 

E a travessia de navio a senhora lembra como é que foi? 

Lore Koch:

Foi muito engraçado porque foi muito elegante. (Então) fomos de primeira classe e me lembro que uma pessoa da família Klabin estava no mesmo navio e que era uma mesa vizinha e que toda noite quando eles chegassem, eu tinha que levantar da cadeira e cumprimentar e não sei em português que a gente dava mão...fazia um “knicks” ...eu tinha que fazer pra eles sentarem. Então ...eu me dava conta que era gente que também ia pro Brasil. 

 

Kristina Michahelles:

Houve um fato novo que acabou sendo fundamental para a decisão de ir para o Brasil: a mãe de Lore foi indicada por Ernest Jones, presidente da Sociedade Psicanalítica Internacional, para desenvolver a psicanálise no Brasil. Adelheid Koch tornou-se a primeira psicanalista a atuar no país, e fundou a Sociedade Brasileira de Psicanálise. Já o pai de Lore, Ernst Koch, destacou-se junto à comunidade judaica presidindo a Congregação Israelita Paulista entre 1956 e 67.

 

Leonardo Dourado:

E quando a jovem Eleonore descobriu que queria ser pintora ? Ainda adolescente demonstrava interesse por cores e objetos. Entrou na Escola de Belas Artes de São Paulo, mas abandonou o curso antes da conclusão.  Ela relembra:

 

Lore Koch:

Eu não tinha nenhum exemplo. Na comunidade judaica não tinha artista. É muito raro judeu fazer artes plásticas. Eu não sei, eu só sabia que (o que) eu queria fazer era com as mãos e era coisa bonita. Tinha exposições lá e tinha a exposição de um pintor francês que eu gostei muito. E aí recortava do jornal, reproduções. Gostava de cavalos, recortava todos os cavalos. Porque na época reproduzia no jornal as corridas.

Kristina Michahelles:

Os pais aconselharam que ela aprendesse encadernação e assim ela conseguiu trabalho fazendo douração de livros. Foi vendedora na Livraria Kosmos, ponto de encontro de intelectuais e exilados. Teve aulas particulares com a húngara Yolanda Mohályi, Elisabeth Nobiling, Samson Flexor e, a partir de 1947, com o escultor Bruno Giorgi.

 

Leonardo Dourado:

A curadora e professora da USP, Fernanda Pitta, conheceu pessoalmente Eleonore Koch e pesquisou muito a trajetória da pintora. Ela comenta a temporada europeia da artista ainda em formação.

 

Fernanda Pitta:

Na Europa ela vai frequentar primeiro um ateliê de escultura porque ela, a princípio, se entende como escultora, ela quer aprender escultura. E depois ela vai frequentar o ateliê do Árpád Szenes ainda fazendo pintura a óleo. Fazendo uma pintura mais moderna que tem, vamos dizer assim, aspectos de um repertório do modernismo e de uma abstração geométrica mais livre que é a pintura do Árpád Szenes. Mas eu acho que o ponto de virada mesmo é quando ela volta pro Brasil e começa frequentar o ateliê do Volpi.

Kristina Michahelles:

De volta a São Paulo, em 1952, trabalhou como cenógrafa na TV Tupi, foi secretária dos físicos Mário Schenberg e César Lattes na USP e do designer Aloísio Magalhães no Rio de Janeiro. Graças ao colecionador Theon Spanudis ela foi apresentada ao pintor Alfredo Volpi, com quem continuou sua formação e de quem é considerada a única discípula. 

 

Leonardo Dourado:

Volpi ensinou a Lore uma técnica de preparação de telas com gelatina em vez de cola que permitia enrolar as pinturas facilitando o transporte. Também fez com que ela trocasse as tintas a óleo pela têmpera. Havia muito mistério na preparação das tintas de Volpi, ele jamais pintava na frente de sua aluna, pouco falava. Lore Koch decidiu fazer suas próprias experiências na preparação das tintas, mas também não compartilhou as receitas com o mestre. Era uma relação conflituosa.

Lore Koch:

Ele não pintava na mesma hora, mas ele olhava o que eu estava fazendo. Eu acho que eu já usava as cores de têmpera dele. Então ele me perguntou: “o que vai pintar ali?” E eu falei: vou pintar amarelo. E ele disse: ”Você vai pintar amarelo e você vai tirar o amarelo”. Eu disse: não, eu vou pintar amarelo. Pintei todos os amarelos. Não deu certo. 

 

Kristina Michahelles:

A técnica da têmpera. Por que a senhora ficou tão fascinada?

Lore Koch:

Porque eu acho que tinha muito detalhe na preparação, muita coisa que tem que fazer bem direito pra dar certo. Porque a mistura é entre terebentina e água. É como maionese, pode dar tudo errado. Eu não sei, eu acho que depois dessa época, ele começou a gostar do que eu fiz, ele gostava, ele gostava mais de um, mais de outro. Eu me senti mais…mais acolhida. Eu achei que podia andar como discípula aceita. 

Leonardo Dourado:

No próximo bloco: três meses após sua morte, os preços das obras da pintora em leilão disparam e surpreendem até o leiloeiro.

 

Passagem

 

Kristina Michahelles:

Fernanda Pitta analisa agora a busca da legitimação de Lore Koch como artista na época das bienais.

Fernanda Pitta:

Ela faz uma série de exposições. Faz exposições individuais (e faz exposições), participa de salões, exposições coletivas. E com a criação da Bienal em 1951, ela vai obviamente procurar se inserir nesse meio das Bienais e expor o seu trabalho também nesse contexto. Ela não consegue entrar nas primeiras Bienais. Ela é ainda vista como uma jovem artista, cuja pesquisa ainda está em processo e que não tem, digamos assim, ainda maturidade para ser aceita num contexto de Bienais. Ela se chateia muito com essa recusa, isso é uma questão da memória dela ainda muito importante.

Leonardo Dourado:

Lore Koch mais do que se chateou. Sofreu por causa das recusas, foi fazer análise. E ainda havia um problema adicional.

 

Lore Koch:

Eu fui pro Rio pra fazer análise porque não podia fazer com minha mãe, então eu fazia com a doutora Catarina Kemper que estava muito na moda, muito louca. Eu fui ao Rio, porque eu não pude encontrar analista em São Paulo. Eu cismei de fazer em alemão porque eu achava que as lembranças eram da Alemanha. E hoje acho que foi bobagem, mas então ela era a única que não tinha vínculo nenhum com minha mãe.

 

Kristina Michahelles:

A questão com as bienais não foi resolvida através de Freud, mas com a própria maturidade do trabalho da artista. Suas obras foram finalmente exibidas em quatro Bienais Internacionais de São Paulo consecutivas entre 1959 e 1967.

 

Leonardo Dourado:

Em 1968, Eleonore Koch foi morar em Londres. Foi lá, na Mercury Gallery, que sua vida sofreu uma guinada. Ela conheceu um colecionador milionário, o barão Alistair McAlpine, conselheiro de Margareth Thatcher. McAlpine foi seu mecenas por sete anos mediante contrato: três vezes por ano ele passava no atelier de Lore Koch e comprava sua produção.

 

Kristina Michahelles:

Mas nem isso foi suficiente para diminuir a insegurança da pintora em relação à capacidade de vender seus quadros. Lore soube que a polícia inglesa precisava de um tradutor do português em depoimentos de indiciados estrangeiros. E foi atrás da vaga.

 

Lore Koch:

Eu achei a aventura humana. Porque era tudo uma aventura. E era triste e era engraçado, tinha todas as possibilidades. E era interessante a posição da polícia e dos acusados. Eu me dava bem com todos. É engraçado porque você tem limites, então você só pode traduzir, mas com o tempo eles confiavam em mim, não sei se eu tinha mais cabeça que os outros. Os intérpretes alemães não eram bons, então, com a prática, eu falava pro policial: eu faço o depoimento, você só me diz quais são os pontos que interessam, eu faço o depoimento e antes que ele seja assinado eu lhe mostro pra ver se falta (algo). Então eu fui capaz disso.

 

Leonardo Dourado:

E assim Lore Koch seguiu pintando, sempre insegura quanto à qualidade de seu trabalho. Durante treze anos acumulou as funções de artista e funcionária da Scotland Yard.

Kristina Michahelles:

Em 1989 voltou ao Brasil e em 2002, aos 76 anos, parou de pintar.

 

Leonardo Dourado:

Em 2013 foi editado um livro sobre a vida e a obra de Eleonore Koch, porém a resposta à grande indagação de toda uma existência só chegaria após sua morte.

Kristina Michahelles:

Na noite de 13 de novembro de 2018, cerca de 90 colecionadores se revezaram ao longo de cinco horas em lances no leilão do acervo de Lore Koch, falecida três meses antes, em São Paulo. 

 

Leonardo Dourado:

O experiente leiloeiro James Lisboa surpreendeu-se quando verificou que, a cada lote oferecido, os valores das obras disparavam. A obra mais disputada foi Paisagem do Arizona, uma têmpera sobre tela de 76 por 102 centímetros. Cotada em lance inicial a 40 mil reais, a pintura atingiu a cifra de 255 mil reais, isto é, seis vezes mais. Foi uma acirrada disputa por doze pessoas presentes ao leilão, entre elas um representante da Pinacoteca do Estado. Mas ao final o quadro foi arrematado por um particular.

Kristina Michahelles:

Este não foi um caso isolado. Do lote 73 constava o caderno número 11 de Lore Koch com 54 desenhos em grafite, pastel e têmpera sobre papel. Com lance inicial de 45 mil reais, o martelo foi batido em 241 mil reais. O caderno é considerado uma síntese do repertório da pintora, registrando os primeiros traços de suas marinhas, naturezas-mortas e paisagens que ambientam os parques ingleses.

 

Leonardo Dourado:

Ao final, as têmperas sobre tela foram as campeãs da noite, com valorização oscilando entre 65 mil e 140 mil reais. Quase todos os 188 lotes foram integralmente vendidos. “Volpistas” e “não volpistas” são unânimes em afirmar que Eleonore Koch atingiu o patamar de seu mestre.

Kristina Michahelles:

O  valor arrecadado no leilão foi revertido conforme constava em testamento: sem herdeiros, ela presenteou o vigia da rua onde morava, sua cuidadora, algumas amigas e a Associação Adote um Gatinho de São Paulo.

 

Leonardo Dourado:

De 12 de março de 2022 até primeiro de maio do mesmo ano, houve uma grande exposição com 150 obras de Eleonore Koch no Museu de Arte do Rio de Janeiro. Foi uma realização da Telenews com apoio da Casa Stefan Zweig de Petrópolis e patrocínio da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. Mais de 10 mil visitantes, incluindo alunos de escolas públicas, passaram pelas catracas do museu naquele período. Foi possível apreciar bem de perto a grandiosa e cobiçada Paisagem do Arizona.

Kristina Michahelles:

Para concluir, Fernanda Pitta resume agora, do ponto de vista artístico, o legado da refugiada alemã Eleonore Koch:

 

Fernanda Pitta:

Acho que o legado da pintura da Eleonore Koch é de uma precisão, de uma propriedade, no que diz respeito ao métier da pintura, naquilo que dizia o Volpi, também a partir dos ensinamentos que ele teve com Ernesto di Fiori, que a questão da pintura é resolver o quadro. Entender de composição, entender de cor, entender desses elementos que tão ali conversando entre si e se relacionando na superfície da pintura.

Kristina Michahelles:

E assim vamos chegando ao fim do nosso programa. Esperamos que tenham gostado. Lembramos que é possível ouvir a primeira temporada completa de oito episódios na sua plataforma de podcast preferida e também no canal Casa Stefan Zweig Digital no Youtube. 

Stefan com “S”, Zweig com “Z” e “W”.

 

Leonardo Dourado:

O programa de hoje contou com informações da revista Museu e do Dicionário dos Refugiados do Nazifascismo no Brasil. A produção foi da Taís Silva. A montagem, sonorização e composição da trilha sonora são de Fabiano Araruna e do Pedro Leal David. Entrevistas a cargo de Kristina Michahelles, o roteiro é meu, Leonardo Dourado, e ambos fizemos também a apresentação do episódio. Até a próxima.

 

Fim do episódio 3 - Lore Koch

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