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Eva Sopher

Episódio 7 - 23'26''

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Vinheta de abertura

 

Leonardo Dourado:

Olá, eu sou o jornalista Leonardo Dourado e está no ar mais uma edição do podcast Canto dos Exilados. A história dos refugiados da Segunda Guerra Mundial que vieram para o Brasil e aqui deixaram seu legado para a ciência e a arte.

​​

Kristina Michahelles:

E eu sou Kristina Michahelles, jornalista, tradutora e diretora do museu Casa Stefan Zweig de Petrópolis, instituição cultural que apoia esta iniciativa.

 

Leonardo Dourado:

Aqui contamos trajetórias fascinantes de pessoas que foram perseguidas e reconstruíram suas vidas no Brasil, deixando marcas importantes no universo da cultura e da ciência. 

 

Kristina MIchahelles:

Muitos dos nossos personagens como a do episódio de hoje eram crianças quando as famílias foram obrigadas a deixar a Europa. Este trabalho se baseia em muita pesquisa de uma equipe que contou com a consultoria dos historiadores Fábio Koifman, no Brasil, e Marlen Eckl, na Alemanha. E é inspirado em uma ideia do jornalista Alberto Dines, biógrafo do escritor austriaco Stefan Zweig. No episódio de hoje apresentaremos o perfil da promotora das artes Eva Sopher, nascida na Alemanha.

 

Leonardo Dourado:

O podcast Canto dos Exilados é patrocinado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e JGP Gestão de Recursos por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, Lei do ISS.

 

Passagem

 

Leonardo Dourado:

É possível que você nunca tenha ouvido falar de Eva Sopher. Até porque, no Brasil, ela conquistou sua fama fora do eixo Rio - São Paulo. Viveu a maior parte da sua vida em Porto Alegre. Mas ouça o que diz sobre dona Eva - como era respeitosamente tratada por todos à sua volta - o grande escritor gaúcho, Luis Fernando Verissimo. 

 

Luis Fernando Verissimo:

A dona Eva recuperou o Teatro São Pedro que era um teatro antigo de Porto Alegre, tem uma história importante, mas estava completamente em ruínas e dona Eva assumiu a direção e reconstruiu o teatro que hoje é uma joia.

 

Kristina Michahelles:

A luta pelo reerguimento do Teatro São Pedro de Porto Alegre durou nove anos. Mas dona Eva fez muito mais. Ela colocou a capital do Rio Grande do Sul na rota dos grandes nomes internacionais, por exemplo, o maestro indiano Zubin Mehta, o dramaturgo francês Eugene Ionesco, a atriz Fernanda Montenegro e o flautista francês Jean Pierre Rampal. A tal ponto que em 2015, ela ganhou o maior reconhecimento do governo alemão para a cultura, a medalha Goethe.

 

Leonardo Dourado:

É, mas até chegar a ser reconhecida como uma personalidade, a menina judia Eva Margarete Plaut teve que passar pela dura experiência da fuga para o exílio. Ela relembrou as agruras em uma entrevista à nossa equipe em Porto Alegre. 

 

Eva Sopher:

Nasci em 1923, ou seja, quando Hitler assumiu o poder eu tinha 10 anos. Até então tudo maravilha, tudo tranquilo, colégio, irmã, cachorro, tudo certo. De repente tudo muda porque a minha irmã que tinha 3 anos mais do que eu foi já no ginásio, onde minha mãe tinha estado, e aí veio meio chateada pra casa: a colega de aula disse que ela não podia sentar ao lado de uma judia. Então meu pai processou o colégio, nos tirou no mesmo dia e nos matriculou em Frankfurt no Judeu Israelita. Mas em 36 a coisa estava ficando muito feia pro nosso lado, o lado dos judeus, e muito difícil em todos os sentidos, ainda mais quando confiscaram os bens materiais, quando nós tivemos que despedir as nossas funcionárias que eram como crias de casa e quando nós tivemos que sacrificar o cachorro que eu considerava um irmão. E aí veio a transferência para São Paulo.

Trilha sonora.

 

Segue Eva Sopher:

Em São Paulo, não conhecendo nada, não conhecendo o lugar São Paulo, não falando o idioma, nós ficamos na zona completamente errada mas tivemos que cuidar, minha irmã e eu, de um cachorro parecido com o nosso porque a esposa do casal adoeceu, se não me engano faleceu, tanto é que nós à noite saíamos com esse cachorro que foi a nossa salvação porque nós estávamos na zona do meretrício. 

 

Ainda Eva Sopher:

Mudamos de lá, foi pouco tempo depois, frequentei a escola Mackenzie uma das melhores, acho que ainda hoje, aprendi obviamente com muita rapidez o idioma. Me tiraram, me puseram equivocadamente com crianças muito menores, então pulei vários degraus e acabei me inscrevendo, sabe Deus porque, numa escola de arte que um arquiteto de Berlim tinha criado. Como aquilo só durou um ano, estava eu novamente sem saber o que fazer, porém conhecia pelo nome a ProArte, Theodor Heuberger, um ambiente cultural com loja no subsolo e na sobreloja exposições e concertos na redondeza. Era tudo que eu queria, então fui me apresentar ao senhor Heuberger que disse “traga seu currículo vitae”, então peguei o bonde, levei pra casa e perguntei a minha mãe o que  quer dizer currículo vitae? E naturalmente não existia porque nessas  alturas não tinha, voltei no dia seguinte e comecei a trabalhar no dia depois. 

 

Kristina Michahelles:

Muitos exilados com quem conversamos têm dificuldade em falar dos acontecimentos do passado, o que é natural, dado os traumas da época da guerra. Eva Sopher não. Contou sua história com riqueza de detalhes demonstrando ótima memória. Quando gravamos esta entrevista ela estava com 92 anos.

Eva Sopher:

Passamos horrores, meu pai como banqueiro diretor do Dresdner Bank, se eu não me engano, de um banco em Frankfurt, foi logo em seguida se juntar com um italiano esperto que roubou o restinho. Então nós subalugamos a casa por nós alugada pra poder sobreviver e eu fui morar numa pensão de terceira categoria, morar num quarto com meu pai.

 

Trilha sonora.

 

Segue Eva Sopher:

Minha irmã já tinha casado e minha mãe então foi para a fazenda que meu cunhado tinha adquirido, ou seja, o pai dele, que era também um judeu alemão, de também grandes posses financeiras na Alemanha, trocou seu dinheiro na Alemanha por esta fazenda no estado de São Paulo. Então minha mãe foi morar lá e nós ficamos morando nessa pensão. Em seguida veio minha avó paterna e a coisa ficou cada vez mais difícil, porém eu então comecei a trabalhar com Heuberger. Estava no chão que eu precisava estar, pendurando quadros de Portinari, de Segall, Lasar Segall, e convivendo com os maiores nomes de música, literatura e pintura, artes cênicas, tudo. 

 

Leonardo Dourado:

No próximo bloco: bom humor, simpatia mas com firmeza, as qualidades de dona Eva Sopher que foram decisivas para a incrível galeria de grandes nomes internacionais que ela levou a Porto Alegre.

 

Kristina Michahelles:

Eu fiquei muito impressionada durante a conversa. Ela realmente conhecia todos os principais nomes da música clássica e do teatro que tinham importância na época. Como, por exemplo, o mítico maestro indiano Zubin Mehta.

 

Eva Sopher:

Eu fiquei sabendo em fevereiro que Zubin Mehta vinha com a Orquestra de Israel ao Brasil. Eu disse, como vem ao Brasil e Porto Alegre não está incluída? Liguei para a embaixada que ainda era no Rio e disse: mas e Porto Alegre? Nós só temos uma data que ninguém queria. Eu disse: qual é?  “Sete de Setembro.” Eu disse: eu topo essa data, que não podia ter sido mais importante, foi o Sesquicentenário da Independência do Brasil, na qual eu trouxe, porém, dois dias depois da chacina de Munique, onde 11 israelenses foram assassinados. Eu sei que eu tive que tirar todos os dizeres “Shalom bem-vindos”. Só sei que ficou esquecido o do aeroporto – porque eu tenho a foto onde ainda ficou esta faixa – e recebia essa gente em casa.

Leonardo Dourado:

Na década de 1960, levar espetáculos internacionais para Porto Alegre era uma aventura. Eva Sopher ia superando as dificuldades e as coisas aconteciam.

Kristina Michahelles: 

O Teatro de Câmara Alemão, comandado pelo diretor e ator Reinhold Olszewski, foi um conjunto importante, vinha sempre para a América Latina apresentar peças do repertório alemão. Durante 25 anos, um quarto de século, de 1949 até 1974, viajou por 18 países da América Latina, percorrendo as principais capitais. Dona Eva levou também este grupo para Porto Alegre.

Eva Sopher:

Em 60 eu trouxe pela primeira vez Die Deutschen Kammerspiele. Olszewski fazia a ronda na Alemanha, juntava os atores dos diversos elencos, juntava eles em Buenos Aires, ensaiavam, saíam de Buenos Aires e começavam por Porto Alegre, ou seja, as estreias aconteciam em Porto Alegre. Para isso, no primeiro ano eu aluguei um cinema fechado, hoje o prédio ainda persiste caindo aos pedaços. Ele era amigo pessoal de Dürrenmatt, então ele trazia as coisas em primeira edição. 

 

Kristina Michahelles:

Outro grupo musical de muito sucesso levado por Dona Eva para a capital gaúcha foram os Meninos Cantores de Viena. O coral infantil mais conhecido do mundo existe desde a Idade Média e já teve entre seus regentes Mozart e Schubert. Claro que o trabalho com a produção de levar, alojar, alimentar dezenas de meninos não foi fácil. Para fazer frente à empreitada, ela não hesitou em bater boca com padre Dom Vicente Scherer, futuro cardeal.

Eva Sopher:

O pessoal tinha que ser hospedado em casas particulares, assim eu tomei conhecimento das pessoas em Porto Alegre. A mesma coisa ocorreu com Die Wiener Sängerknaben. Eu os trouxe, eles tinham estado aqui no Teatro São Pedro, depois eu os levei na segunda vez para a Universidade Federal, a terceira vez na Catedral. A essas alturas eu já briguei com Dom Vicente Scherer porque eu fazia concertos na igreja pois precisava de um órgão. Dom Vicente ainda não era o cardeal, ele disse: a senhora não pode vender ingressos para a igreja. Tá bom, eu vendo na rua, mas enquanto o artista tem que pagar pelo pão dele na padaria, pelo remédio na farmácia, ele tem que ganhar dinheiro.

 

Leonardo Dourado:

Outro ícone da dramaturgia mundial que não escapou do radar de dona Eva foi o romeno Eugene Ionesco, famoso por seu teatro do absurdo. Sua peça mais famosa é o Rinoceronte, de 1959.

 

Eva Sopher:

Ionesco veio a Porto Alegre porque o cônsul francês chegou lá em casa para um jantar e tinha recebido aquele dia o pedido para receber Ionesco e ele disse: nós não temos o dinheiro. Meu marido que era uma pessoa muito generosa disse então eu pago a vinda de Ionesco. Ou seja, Ionesco se apresentou duas noites no Teatro São Pedro e jantou duas noites na minha casa.

 

Kristina Michahelles:

São tantas histórias e tão ricas do ponto de vista dos sacrifícios e das dificuldades que chega a ser comovente. Ouça a seguir o malabarismo que dona Eva teve que fazer para a apresentação do Quinteto de Sopros de Munique em Porto Alegre.

 

Eva Sopher:

Isso foi bem no início, nós não tínhamos ainda telefone nem nada, estava a Semana Santa acontecendo e os hotéis - que também tinha muito menos hotéis, Porto Alegre mudou, como todas as cidades mudam muito, cresce muito - eu sei dizer que não achei hotel nenhum, peguei o livro telefone e aí tinha um hotel com cinco números diferentes, eu perguntei se podia colocar esses músicos alemães ali por um pernoite, dois, e eles disseram, sim, pode. 

 

Segue Eva Sopher:

Peguei eles no aeroporto, levei eles pra lá e busquei eles antes do concerto e eles me olharam meio de lado: - o que que a senhora pensa que a gente é? Eu disse: como? Quinteto alemão de cordas. - Sim, mas a senhora nos botou aqui numa casa que não parece ser um hotel com “h” na frente, parece mais com “m” na frente, porque as mulheres não deixam a gente em paz aqui um minuto. Aqui nós não ficamos. 

 

Segue Eva Sopher:

Bom, o concerto aconteceu eles de malas prontas e eu desesperada, procurando hotel que não tinha. Então no meu último desespero, na minha última tentativa, eu pedi à madre do Hospital Moinhos de Vento - que hoje é o grande hospital da cidade, naquele tempo não era - e contei a história. E ela disse: -Traga eles pra cá, nós alojamos eles aqui no hospital. Bom, eles foram satisfeitos e felizes, eu fui pro aeroporto e enquanto isto vinha um novo avião. Eu sei que eles ficaram aquele dia, tocaram para as irmãs no Hospital Moinhos de Vento e embarcaram muito tristemente porque a essas alturas estavam muito bem instalados. Mas é aí que eu digo, os anjos ajudam a gente a achar uma solução.

 

Leonardo Dourado:

Voltando ao início de nosso episódio de hoje do podcast Canto dos Exilados, vamos resumir para você a saga de Eva Sopher para reerguer o Teatro São Pedro de Porto Alegre.

 

Kristina Michahelles:

O teatro foi inaugurado em 1858. Em 1973 o espaço foi fechado devido às precárias condições de segurança e ao mau estado de conservação do prédio. Dois anos depois, dona Eva assumiu a coordenação das obras de recuperação. No início, relutou um pouco.

Eva Sopher: 

Eu disse: é impossível eu assumir mais esta missão com tudo o que já faço, não posso assumir isso, mas vou encontrar alguém que faça. E aí meu marido voltou de viagem, perguntou quem eu havia achado. Eu disse, ninguém por enquanto, não achei ninguém, mas devo encontrar. Ele disse, não, ou você faz, ou vão derrubar o Theatro São Pedro igualzinho como derrubaram o irmão gêmeo do outro lado e vão colocar um edifício, ou um shopping, ou um banco, mas vai acabar o Teatro São Pedro. Quando eu ouvi isso eu disse: então vou acabar com as outras coisas, mas o Teatro São Pedro tem que permanecer.

 

Leonardo Dourado:

Em 1982 o Theatro São Pedro tornou-se uma fundação, o que permitiu que empresas privadas pudessem contribuir para a conclusão da obra. Em março daquele ano, o governo do estado do Rio Grande do Sul nomeou Dona Eva para presidir a fundação. E isso foi decisivo para o sucesso da empreitada.

 

Kristina Michahelles:

Em 28 de junho de 1984, nove anos depois de iniciada a obra de recuperação do São Pedro, o teatro foi reinaugurado com uma temporada de Bibi Ferreira cantando Edith Piaf.

 

Eva Sopher:

E Bibi Ferreira me disse que a protagonista naquela noite não tinha sido ela e sim o Theatro São Pedro. Desde então, 30 anos atrás o Teatro São Pedro está aberto diariamente.

 

Leonardo Dourado:

Eva Sopher continuou trabalhando com afinco para deixar um legado ainda maior no Brasil, sua pátria de acolhida. Hoje em dia, ao lado do São Pedro foi construído um espaço conhecido como Multipalco que possui praça, restaurante e concha acústica, além de infraestrutura de escritórios e locais de ensaios para as produções. Dona Eva nos deixou em 2018.

 

Kristina Michahelles:

E assim vamos chegando ao fim do nosso programa. Esperamos que tenham gostado. Lembramos que é possível ouvir a série de podcasts em sua plataforma preferida ou ainda no canal do youtube da Casa Stefan Zweig Digital.

Leonardo Dourado:

O programa de hoje contou com informações  da Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul e do Dicionário dos Refugiados do Nazifascismo no Brasil. A produção foi da Taís Silva. A montagem, sonorização e composição da trilha sonora são do Fabiano Araruna e do Pedro Leal David. A entrevista de dona Eva foi feita pela Kristina Michahelles, o roteiro é dela junto comigo,  Leonardo Dourado. Ambos fizemos também a apresentação do episódio. Até a próxima.


 

Fim do episódio 7 - Eva Sopher

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